FRONTISPÍCIO DAS ARTES

A arte começa onde a imitação acaba. Oscar Wilde

terça-feira, 16 de abril de 2013

DARCY CRUZ, Artista Plástico Naïf de Mogi das Cruzes (1931 a 2007)


Imagem: Obra o Vendedor de Cocadas
Autor: Darcy Cruz
Texto: Enzo Ferrara


Darcy Cruz (1931 a 2007)

Não tive a oportunidade de conhecer esse grande artista em vida, mas tenho um enorme respeito e carinho por ele, que é sempre lembrado por outros artistas com grande saudade. Darcy Cruz é um dos maiores artistas Naïfs de Mogi das Cruzes e do Brasil com um trabalho reconhecido, resultado de vários anos de dedicação e de prêmios que ele conquistou ao longo de sua carreira.
A Primeira vez que vi uma obra dele foi numa exposição coletiva, que eu estava ajudando a organizar no CIARTE (Centro de Cidadania e Arte) em Mogi das Cruzes, logo me identifiquei com a obra dele e vi um dialogo com as obras de arte Naïf de outros artistas.
Darcy Fernandes Cruz nasceu em Avaí, próximo a cidade de Bauru, interior do Estado de São Paulo, no dia 12 de fevereiro de 1931. O contato com a arte aconteceu no meio familiar, seu avô que era construtor e tinha um hotel, fazia uma decoração com a ajuda do neto, que preparavam juntos as tintas. O jovem Darcy ficava maravilhado ao ver como surgiam as paisagens com animais e pessoas com a estética Naïf.
Com a crise econômica da década de 1930, o interior também foi afetado e um tio do artista, que já morava na cidade de São Paulo, convidou a família para ir morar na capital e a família então se mudou.
As Primeiras pinturas mais sérias surgiram num período onde nosso artista trabalhou numa oficina de mecânica, onde se consertavam veículos. Com os funileiros ele conseguiu suas primeiras matérias primas, tábuas e principalmente tinta á óleo, que na época eram importadas e muito caras, portanto inacessíveis ao artista. Em São Paulo, trabalhou como tapeceiro, e nas horas vagas pintava algumas encomendas que começavam a surgir, como pinturas decorativas para a casa das pessoas, letreiros, decoração de salões de carnaval e painéis para carros alegóricos, que desfilavam nos carnavais de bairro. O Jovem Darcy Cruz estudou e trabalhou pelos bairros paulistanos do Belém e Tatuapé, chegou a abrir uma oficina no Bras. A agitada vida na grande metrópole, a má alimentação, pois comia muito lanche em horários alternados e raramente almoçava, começou a afetar a saúde do artista, que teve problemas gástricos.
Em 1953, logo após se casar, mudou para a Cidade de Mogi das Cruzes, relativamente perto da região onde morava em São Paulo. Em Mogi das Cruzes, ele logo consegue emprego numa empresa que necessitava de mão de obra especializada e se transfere em definitivo com a família para a cidade, algum tempo depois monta sua própria oficina, na rua Engenheiro Gualberto, próximo a Estação Ferroviária de Mogi das Cruzes. No interior consegue se organizar e melhorar a sua qualidade de vida sobra tempo até para continuar a produzir suas pinturas. O Artista teve dois filhos, um menino e uma menina.
Darcy Cruz é um artista autodidata, mas sempre teve contato com várias técnicas de pintura, no período em que morava na cidade de São Paulo, visitava galerias e exposições para ver como outros artistas misturavam as tintas, faziam as marcas com o pincel e criavam efeitos de degrades. Todo o que via e aprendia levava para as suas obras.
Ele sempre se considerou um artista Naïf, ao longo de sua carreira conseguiu evoluir muito, ao ponto de algumas de suas obras podem ser consideradas acadêmicas, mas a principal é a Naïf. Ele dizia que na arte Naïf poderia pegar um tema da realidade, como por exemplo, uma paisagem com uma cidade e ao pintar a obra consegue tornar a paisagem mais bonita, com mais cores e detalhes do que na realidade, isso para ele, não seria possível na arte acadêmica.
Todos os artistas que conheceram Darcy Cruz o consideram um dos maiores nomes da arte Naïf Mogiana, sempre muito social, dialogava com todos de igual para igual, mitos se lembram dele pintando na Praça do Carmo algum tema dos arredores, como uma padaria que já não existe mais, com pessoas que vão e vem, coloridas e cheias de vida.
Os temas que abordava eram bem variados, de procissões, Festas Populares Candomblé, Festa do Divino, Vendedores Ambulantes, Grupos de Congadas e Moçambique, Terreiros de Umbanda e até os tradicionais Ex Votos. Suas obras são cheias de cores e significados, valorizando a riqueza da cultura popular brasileira e a miscigenação étnica do país, ele chegou a declarar:
“A Pintura Naïf é o que mais representa a nossa cultura. Se um estrangeiro vem para o Brasil, deseja levar algo típico, não um vaso de flores ou uma tela acadêmica.”
Ele se encaixa num estilo muito comum dentro da produção de arte academia, o estilo QUEM VÊ CARA NÂO VÊ CORAÇÂO, onde o artista pinta os personagem sem o rosto, esse estilo aparece nas obras do artista que tem tema de manifestações coletivas, como procissões, cortejos, festas populares e casamentos. Ele tinha uma grande admiração pela obra do artista Cândido Portinari, que não era Naïf, mas que levou para as suas telas a imagem rústica do trabalhador do campo, talvez por isso, por valorizar a cultura do povo que o nosso artista se identificasse com a obra de Portinari, pois Darcy Cruz soube retratar o povo do interior como poços, suas cores e sua cultura simples. Destacarei algumas obras de Darcy Cruz, que participaram de importantes exposições de arte Naïf.
Em 1996, duas obras do artista participaram da III Bienal Naïfs do Brasil em Piracicaba, uma tem o título de Circo, Alegria do Povo, onde vemos um circo de tenda colorida e na porta estão pintados os principais artistas do espetáculo dois palhaços, um equilibrista sobre o cavalo e o Homem mais forte do mundo, ainda na vemos um carrinho de pipoca, um palhaço vendendo balões coloridos e o publico chegando. O nome do Circo é Circo do Beijinho, no plano de fundo vemos uma cidade do interior com casinhas em meio a vegetação, uma Pipa sobe por cima do circo mostrando que alguém está brincando. A segunda obra tem o título de Festa no Arraiá, onde vemos uma igreja como plano de fundo e a imagem de Nossa Senhora Aparecida num mastro, um grupo de homens tenta subir no Pau de Sebo, tem várias barracas e novamente a presença do carrinho de Pipoca e o Pipoqueiro. Nas duas obras vemos a forte presença do amarelo, que ilumina tudo.
Em 1998, ele volta a participar da IV Bienal Naïfs do Brasil em Piracicaba com a obra O Vendedor de Cocada, onde vemos um típico vendedor de cocada com seu tabuleiro, ao fundo vemos uma agitada vila com casinhas coloridas, uma igreja branca ao longe, uma escola e o bar do Zé, crianças brincam com bolinhas de gude (Fubeca) e as pessoas estão indo e vindo, carregando objetos e trabalhando.
Em 2000, ele participa da V Bienal Naïfs do Brasil em Piracicaba com duas obras, uma tem o título Violeiro do Divino, nessa obra o artista levou para expor um tema relacionado com a cidade de Mogi das Cruzes, onde a festa do Divino Espírito Santo é muito popular. O Artista retratou o violeiro do Grupo de Congada São Benedito, que vestem calça preta e camisa amarela e que existe de verdade, identificado, pois logo atrás do retratado vemos um personagem carregando o estandarte do grupo com a inscrição “Moçambique São Benedito”. O Violeiro está em primeiro plano e tem o rosto completo com olhos, boca, nariz e barba, outros personagem ao fundo não tem rosto, característica típica na obra do artista, ainda vemos uma capela do Divino e as Bandeiras que representam o Divino Espírito Santo. A Outra obra tem o título de Festa de São Benedito, festa que realmente acontece em Mogi das Cruzes no final do mês de Março, com vários elementos que aparecem na obra de Darcy Cruz, o Pau de Sebo, as Barracas de comida típica, os grupos de congada e Moçambique e novamente o carrinho de Pipoca, ainda vemos mais afastada uma igreja branca de duas torres, uma cidade de casinhas brancas e um mastro com a imagem do Santo homenageado, assim como em outros trabalhos, os personagens não tem rosto.
Em 2004, ele participa da VII Bienal Naïfs do Brasil com a obra Baile na Fazenda, um quadro muito curioso, o salão de baile está decorado com bandeirinhas nas cores vermelho, azul e branco, numa das paredes tem um quadro com um carro de boi na estrada e no outro um retrato em moldura oval dos donos da casa no dia do casamento. Todos estão animados dançando, um grupo de violeiros está tocando e duas janelas se abrem para que possamos ver como a Fazenda é verde e com algumas casinhas próximas. Fora as Bienais de arte Naïf ele participou de outras exposições pelo Brasil, como a XV Mostra Afro-Brasileira Palmares em Londrina no Paraná.
Em 2001, participa da I Bienal do Alto Tietê com a obra Festa de São Benedito, nela podemos observar a tradicional festa de São Benedito de Mogi das Cruzes, retratada no local em que ela acontece, na praça em frente da Igreja de São Benedito, no Centro Histórico, onde são montadas as barracas de comidas típicas e o grupo de Congada São Benedito também aparece na obra, junto com o carrinho de pipoca e o mastro com a imagem do Santo. Tudo é festa e alegria emolduradas pelas vibrantes bandeirinhas de Festa Junina.
A Obra de Darcy Cruz é um orgulho para a cidade de Mogi das Cruzes, cidade em que ele não nasceu, mas que escolheu para viver, marcou a sua história nos principais eventos de arte, valorizando tipos populares e a cultura do interior de São Paulo. Nosso grande artista falece em Mogi das Cruzes no dia 05 de Fevereiro de 2007.