Imagem: Obra o Vendedor de Cocadas
Autor: Darcy Cruz
Texto: Enzo Ferrara
Darcy Cruz (1931 a 2007)
Não
tive a oportunidade de conhecer esse grande artista em vida, mas tenho um
enorme respeito e carinho por ele, que é sempre lembrado por outros artistas
com grande saudade. Darcy Cruz é um dos maiores artistas Naïfs de Mogi das
Cruzes e do Brasil com um trabalho reconhecido, resultado de vários anos de
dedicação e de prêmios que ele conquistou ao longo de sua carreira.
A
Primeira vez que vi uma obra dele foi numa exposição coletiva, que eu estava
ajudando a organizar no CIARTE (Centro de Cidadania e Arte) em Mogi das Cruzes,
logo me identifiquei com a obra dele e vi um dialogo com as obras de arte Naïf
de outros artistas.
Darcy
Fernandes Cruz nasceu em Avaí, próximo a cidade de Bauru, interior do Estado de
São Paulo, no dia 12 de fevereiro de 1931. O contato com a arte aconteceu no
meio familiar, seu avô que era construtor e tinha um hotel, fazia uma decoração
com a ajuda do neto, que preparavam juntos as tintas. O jovem Darcy ficava
maravilhado ao ver como surgiam as paisagens com animais e pessoas com a
estética Naïf.
Com
a crise econômica da década de 1930, o interior também foi afetado e um tio do
artista, que já morava na cidade de São Paulo, convidou a família para ir morar
na capital e a família então se mudou.
As
Primeiras pinturas mais sérias surgiram num período onde nosso artista
trabalhou numa oficina de mecânica, onde se consertavam veículos. Com os
funileiros ele conseguiu suas primeiras matérias primas, tábuas e
principalmente tinta á óleo, que na época eram importadas e muito caras,
portanto inacessíveis ao artista. Em São Paulo, trabalhou como tapeceiro, e nas
horas vagas pintava algumas encomendas que começavam a surgir, como pinturas
decorativas para a casa das pessoas, letreiros, decoração de salões de carnaval
e painéis para carros alegóricos, que desfilavam nos carnavais de bairro. O
Jovem Darcy Cruz estudou e trabalhou pelos bairros paulistanos do Belém e
Tatuapé, chegou a abrir uma oficina no Bras. A agitada vida na grande
metrópole, a má alimentação, pois comia muito lanche em horários alternados e
raramente almoçava, começou a afetar a saúde do artista, que teve problemas
gástricos.
Em
1953, logo após se casar, mudou para a Cidade de Mogi das Cruzes, relativamente
perto da região onde morava em São Paulo. Em Mogi das Cruzes, ele logo consegue
emprego numa empresa que necessitava de mão de obra especializada e se
transfere em definitivo com a família para a cidade, algum tempo depois monta
sua própria oficina, na rua Engenheiro Gualberto, próximo a Estação Ferroviária
de Mogi das Cruzes. No interior consegue se organizar e melhorar a sua
qualidade de vida sobra tempo até para continuar a produzir suas pinturas. O
Artista teve dois filhos, um menino e uma menina.
Darcy
Cruz é um artista autodidata, mas sempre teve contato com várias técnicas de
pintura, no período em que morava na cidade de São Paulo, visitava galerias e
exposições para ver como outros artistas misturavam as tintas, faziam as marcas
com o pincel e criavam efeitos de degrades. Todo o que via e aprendia levava
para as suas obras.
Ele
sempre se considerou um artista Naïf, ao longo de sua carreira conseguiu
evoluir muito, ao ponto de algumas de suas obras podem ser consideradas
acadêmicas, mas a principal é a Naïf. Ele dizia que na arte Naïf poderia pegar
um tema da realidade, como por exemplo, uma paisagem com uma cidade e ao pintar
a obra consegue tornar a paisagem mais bonita, com mais cores e detalhes do que
na realidade, isso para ele, não seria possível na arte acadêmica.
Todos
os artistas que conheceram Darcy Cruz o consideram um dos maiores nomes da arte
Naïf Mogiana, sempre muito social, dialogava com todos de igual para igual,
mitos se lembram dele pintando na Praça do Carmo algum tema dos arredores, como
uma padaria que já não existe mais, com pessoas que vão e vem, coloridas e
cheias de vida.
Os
temas que abordava eram bem variados, de procissões, Festas Populares
Candomblé, Festa do Divino, Vendedores Ambulantes, Grupos de Congadas e
Moçambique, Terreiros de Umbanda e até os tradicionais Ex Votos. Suas obras são
cheias de cores e significados, valorizando a riqueza da cultura popular
brasileira e a miscigenação étnica do país, ele chegou a declarar:
“A Pintura Naïf é o que mais representa
a nossa cultura. Se um estrangeiro vem para o Brasil, deseja levar algo típico,
não um vaso de flores ou uma tela acadêmica.”
Ele
se encaixa num estilo muito comum dentro da produção de arte academia, o estilo
QUEM VÊ CARA NÂO VÊ CORAÇÂO, onde o artista pinta os personagem sem o rosto,
esse estilo aparece nas obras do artista que tem tema de manifestações
coletivas, como procissões, cortejos, festas populares e casamentos. Ele tinha
uma grande admiração pela obra do artista Cândido Portinari, que não era Naïf,
mas que levou para as suas telas a imagem rústica do trabalhador do campo,
talvez por isso, por valorizar a cultura do povo que o nosso artista se
identificasse com a obra de Portinari, pois Darcy Cruz soube retratar o povo do
interior como poços, suas cores e sua cultura simples. Destacarei algumas obras
de Darcy Cruz, que participaram de importantes exposições de arte Naïf.
Em
1996, duas obras do artista participaram da III Bienal Naïfs do Brasil em
Piracicaba, uma tem o título de Circo,
Alegria do Povo, onde vemos um circo de tenda colorida e na porta estão
pintados os principais artistas do espetáculo dois palhaços, um equilibrista
sobre o cavalo e o Homem mais forte do mundo, ainda na vemos um carrinho de
pipoca, um palhaço vendendo balões coloridos e o publico chegando. O nome do
Circo é Circo do Beijinho, no plano de fundo vemos uma cidade do interior com
casinhas em meio a vegetação, uma Pipa sobe por cima do circo mostrando que
alguém está brincando. A segunda obra tem o título de Festa no Arraiá, onde vemos uma igreja como plano de fundo e a imagem
de Nossa Senhora Aparecida num mastro, um grupo de homens tenta subir no Pau de
Sebo, tem várias barracas e novamente a presença do carrinho de Pipoca e o
Pipoqueiro. Nas duas obras vemos a forte presença do amarelo, que ilumina tudo.
Em
1998, ele volta a participar da IV Bienal Naïfs do Brasil em Piracicaba com a
obra O Vendedor de Cocada, onde
vemos um típico vendedor de cocada com seu tabuleiro, ao fundo vemos uma
agitada vila com casinhas coloridas, uma igreja branca ao longe, uma escola e o
bar do Zé, crianças brincam com bolinhas de gude (Fubeca) e as pessoas estão
indo e vindo, carregando objetos e trabalhando.
Em
2000, ele participa da V Bienal Naïfs do Brasil em Piracicaba com duas obras,
uma tem o título Violeiro do Divino,
nessa obra o artista levou para expor um tema relacionado com a cidade de Mogi
das Cruzes, onde a festa do Divino Espírito Santo é muito popular. O Artista
retratou o violeiro do Grupo de Congada São Benedito, que vestem calça preta e
camisa amarela e que existe de verdade, identificado, pois logo atrás do
retratado vemos um personagem carregando o estandarte do grupo com a inscrição
“Moçambique São Benedito”. O Violeiro está em primeiro plano e tem o rosto
completo com olhos, boca, nariz e barba, outros personagem ao fundo não tem
rosto, característica típica na obra do artista, ainda vemos uma capela do
Divino e as Bandeiras que representam o Divino Espírito Santo. A Outra obra tem
o título de Festa de São Benedito,
festa que realmente acontece em Mogi das Cruzes no final do mês de Março, com
vários elementos que aparecem na obra de Darcy Cruz, o Pau de Sebo, as Barracas
de comida típica, os grupos de congada e Moçambique e novamente o carrinho de
Pipoca, ainda vemos mais afastada uma igreja branca de duas torres, uma cidade
de casinhas brancas e um mastro com a imagem do Santo homenageado, assim como
em outros trabalhos, os personagens não tem rosto.
Em
2004, ele participa da VII Bienal Naïfs do Brasil com a obra Baile na Fazenda, um quadro muito
curioso, o salão de baile está decorado com bandeirinhas nas cores vermelho,
azul e branco, numa das paredes tem um quadro com um carro de boi na estrada e
no outro um retrato em moldura oval dos donos da casa no dia do casamento.
Todos estão animados dançando, um grupo de violeiros está tocando e duas
janelas se abrem para que possamos ver como a Fazenda é verde e com algumas
casinhas próximas. Fora as Bienais de arte Naïf ele participou de outras
exposições pelo Brasil, como a XV Mostra Afro-Brasileira Palmares em Londrina
no Paraná.
Em
2001, participa da I Bienal do Alto Tietê com a obra Festa de São Benedito, nela podemos observar a tradicional festa de
São Benedito de Mogi das Cruzes, retratada no local em que ela acontece, na
praça em frente da Igreja de São Benedito, no Centro Histórico, onde são
montadas as barracas de comidas típicas e o grupo de Congada São Benedito
também aparece na obra, junto com o carrinho de pipoca e o mastro com a imagem
do Santo. Tudo é festa e alegria emolduradas pelas vibrantes bandeirinhas de
Festa Junina.
A
Obra de Darcy Cruz é um orgulho para a cidade de Mogi das Cruzes, cidade em que
ele não nasceu, mas que escolheu para viver, marcou a sua história nos
principais eventos de arte, valorizando tipos populares e a cultura do interior
de São Paulo. Nosso grande artista falece em Mogi das Cruzes no dia 05 de
Fevereiro de 2007.