FRONTISPÍCIO DAS ARTES

A arte começa onde a imitação acaba. Oscar Wilde

quinta-feira, 13 de agosto de 2009

DICA PARA VISITAÇÃO - MAM




Início: 17 jul 2009

Término: 13 set 2009


Sala: MAM - Grande Sala MAM


Descrição:
Autor de mais de três mil projetos de paisagismo em 20 países, premiado como pintor e designer de jóias, ceramista, tapeceiro, autor de cenários e figurinos para teatro e óperas, músico, ecologista desde os anos 70, Roberto Burle Marx [SP, 1909-RJ, 1994] ganha homenagem em sua cidade natal, São Paulo.Lauro Cavalcanti, curador da exposição propõe a fazer um mapeamento da múltipla produção artística (pintura, desenho, gravuras, tecido, tapeçaria, cerâmica, jóias, muranos e projetos paisagísticos) de Burle Marx, o maior dos paisagistas do século 20 e criador da linguagem moderna do paisagismo no mundo.
Confira entrevistas sobre a Exposição Burle Marx 100 anos: a permanência do instávelJosé Tabacow, especialista na obra de Burle Marx
Entrevista com José Tabacow, especialista na obra de Burle Marx1. O senhor se dedica a estudar as idéias e obras de Burle Marx. É possível falar um pouco da relação entre o Burle Marx teórico (ou pensador) e o Burle Marx paisagista? Pelo que pude perceber do material a que tive acesso, o senhor afirma que o paisagismo leva Burle Marx a entrar em contato com problemas ecológicos, e não o contrário, como alguns poderiam pensar...
Burle Marx combinava habilmente sua capacidade de produzir obras nas mais diversas formas de expressão artística com uma sólida cultura em história da arte. Isso significa dizer que ele sabia tirar partido de seus conhecimentos e usava frequentemente referências do passado, reinterpretadas em suas obras de arte. Numa apresentação de catálogo, Lúcio Costa diz que "conquanto fale uma linguagem contemporânea, suas raízes confinam com a Renascença".
Quanto à segunda parte da pergunta, o próprio Roberto repetia com frequência que não era botânico e somente lhe interessava a parte da botânica aplicável ao paisagismo. Isso não deve ser confundido com horticultura, campo em que ele tinha profundos conhecimentos, mas restritos à flora ornamental, que era o que lhe interessava. Reforça essa afirmativa o fato de ele procurar constantemente os botânicos, que o ajudavam em identificação, ecologia, fitogeografia e outros campos correlatos.
2. Quais as principais inovações do pensamento de Burle Marx para a época em que foram elaborados? O senhor vê um desenvolvimento das ideias dele hoje?
A preocupação de não se repetir, não cair em fórmulas para solucionar problemas artísticos era uma constante. Ele citava frequentemente Picasso: "É melhor copiar os outros que a si mesmo" e, quando mostrava alguma obra nova, perguntava, ansioso, se a pessoa tinha achado "diferente", e não "bonita" ou "boa". Dessa atitude resultaram suas propostas inovadoras, a começar pela introdução da flora nativa, que foi uma permanente preocupação. Cada nova planta foi uma nova possibilidade de composição, de se expressar de forma inovadora em paisagismo.
Eu não diria que suas idéias sofreram desenvolvimentos posteriores. Os paisagistas de hoje procuram seus próprios caminhos. Mas ele deixou uma influência benéfica que marcou e ainda marca e influencia as realizações de hoje, em especial as componentes vegetais e as formas com que elas são desenhadas.

3. Como o senhor vê o legado de Burle Marx hoje (teoria e projetos)? Há oportunidade de divulgar suas palestras? Os projetos paisagísticos estão sendo cuidados?
O livro que publiquei (Arte & paisagem, Studio Nobel) teve exatamente esse propósito. Durante o tempo em que trabalhei com Roberto, escrevemos muitas conferências em conjunto, eu o ajudava a estruturar e redigir as palestras. Em 1987, publicamos essas palestras numa edição simples, praticamente só texto, que se esgotou rapidamente. Como a editora manifestou a vontade de publicar uma segunda edição, sugeri que fosse ampliada, ilustrada e comentada. Entretanto, por razões diversas, esta segunda edição só foi possível em 2004, dez anos após a morte de Roberto. No conjunto, os textos refletem não só as ideias e conceitos de Burle Marx, como também sua evolução ao longo das experiências realizadas. Creio que estas conferências reúnem, de forma bastante abrangente, o pensamento do paisagista, sua filosofia relacionada com o tratamento paisagístico dos espaços, a questão da reinterpretação daquilo que ele assimilou em suas observações de campo, através de viagens de exploração, de intercâmbios com jardins botânicos e com pesquisadores no Brasil e no exterior.
Tem havido preocupação com a conservação ou restauração dos jardins de Burle Marx. Para citar dois dos exemplos mais significativos, temos a atuação de Ana Rita de Sá Carneiro (Laboratório da Paisagem, Universidade Federal de Pernambuco), que promoveu e promove a restauração dos primeiros jardins em Recife; e de Mônica Bahia, que pesquisou, relacionou e promoveu o tombamento de uma grande quantidade de obras de Burle Marx no município do Rio de Janeiro. E também movimentos incipientes em Brasília, Belo Horizonte, Curitiba, além, é claro, dos que eu não tenho conhecimento.
4. Como o senhor vê a iniciativa de realizar uma exposição em homenagem a Burle Marx nos 100 anos de seu nascimento? O museu é um lugar interessante para mostrar o trabalho de Burle Marx?
Sempre me admirei da quase nenhuma repercussão da morte de Roberto, nos meios de comunicação. Afinal de contas, desaparecia o maior paisagista brasileiro do século XX, reconhecido no país e no exterior, criador do moderno jardim tropical. De alguma forma, essa omissão foi amplamente compensada agora, no aniversário de 100 anos do nascimento. A grande exposição no Paço Imperial do Rio de Janeiro, alguns eventos promovidos pela ABAP (Associação Brasileira de Arquitetos Paisagistas), um encontro temático em Veneza, com a participação de diversos brasileiros paisagistas, historiadores e estudiosos da obra.
Quanto à adequação do museu, creio no raciocínio inverso, isto é, é possível criar uma exposição sobre a obra de Roberto Burle Marx no MAM? Em Florianópolis, fizemos uma exposição de croquis do paisagista, no Museu Victor Meirelles, como abstrações, ou seja, sem a preocupação de identificar os significados das proposições nos desenhos, mas exibindo-os como obra pictórica. Para o espaço disponível, mínimo, os resultados foram muito significantes. Eram cerca de quinze desenhos numa sala de dimensões reduzidas. Portanto, uma resposta mais objetiva seria: sim, dependendo do projeto museográfico.
José Tabacow é arquiteto paisagista. Haruyoshi Ono, sócio-diretor do escritório Burle Marx & Cia.
Entrevista com Haruyoshi Ono, sócio-diretor do escritório Burle Marx & Cia. Ltda.1. Como o senhor conheceu Burle Marx?
Conheci Roberto Burle Marx quando eu era jovem e estava no 2º ano da faculdade de arquitetura. Ao passar pelo que hoje é o Parque do Flamengo, vi uma placa de obra onde estava escrito o nome da firma Burle Marx e o seu endereço. Após várias tentativas, um dia, ao bater na porta de seu ateliê, ele mesmo me recebeu. A primeira impressão foi a de um homem de semblante sério, de fala forte, intimidante. Numa rápida entrevista, essa impressão se dissipou, pois ele se mostrou cordial e nos ouviu com atenção. Ao perguntarmos quando poderíamos iniciar o estágio, ele disse: “agora”.

2. Como era a convivência com ele?
No início, a relação foi a de um professor ensinando com paciência um aluno interessado. Com a convivência diária, esse relacionamento foi se transformando, amadurecendo, até nos tornarmos parceiros no trabalho e amigos. Tínhamos muita afinidade artística e um forte entrosamento na criação dos projetos e das obras de arte.

3. Quais são, em sua opinião, os principais legados de Burle Marx?
Creio que devemos considerar toda a sua obra como um grande legado: seu trabalho paisagístico e seu trabalho como artista plástico.
Sem dúvida, Roberto sentia um enorme prazer em realizar projetos para áreas públicas. O parque del Este na Venezuela, o parque das Mangabeiras, em Belo Horizonte, e o parque do Flamengo, no Rio de Janeiro, são exemplos disso. Outro projeto que ele gostou muito de elaborar foi o do Parque Recreativo de Brasília, que infelizmente não foi totalmente executado, e que hoje está deturpado e em péssimo estado de conservação, apesar de ser muito frequentado.
Da mesma forma, ele gostava de elaborar projetos privados, em áreas menores, quando sentia que o cliente se envolvia com entusiasmo na sua criação. Públicos ou privados, o fato é que alguns projetos se tornaram importantes exemplos na história do paisagismo.
Nos projetos, ele colocava em prática as idéias adquiridas por meio de observações que fazia em suas viagens de pesquisa, acompanhado por botânicos, agrônomos, arquitetos e seus companheiros do escritório. Usava esses ensinamentos ao projetar e criar grupos de vegetação da mesma espécie (para enfatizar suas características), sempre fazendo associações dos diferentes grupos, como são vistos na natureza.

4. O senhor acredita que o pensamento de Burle Marx continua atual?
Desde a década de 1970, Roberto denunciava as agressões à natureza e defendia o meio ambiente. No Brasil, ele foi um dos primeiros a demonstrar essa preocupação, que hoje vemos como fundamentada e válida.
Em relação ao paisagismo, seus primeiros projetos se destacaram pelas formas abstratas e orgânicas e pelo uso da vegetação tropical brasileira, suas exuberantes cores e formas, em oposição à tradicional linguagem paisagística da época, que utilizava plantas importadas da Europa e traçados influenciados pelo paisagismo francês e inglês. Participando do movimento modernista, que buscava a identidade nacional, Roberto viajava, conhecia e coletava a flora nacional, passando a utilizá-la em composições inusitadas com formas livres e orgânicas.
Ainda hoje, após quinze anos de seu desaparecimento, as pesquisas acadêmicas levam em consideração os conceitos e a obra desenvolvida por Roberto Burle Marx e sua equipe.

5. Como o senhor vê a atuação dos paisagistas hoje no Brasil?
A profissão do paisagista está sendo cada vez mais valorizada. A crescente carência social de áreas verdes, onde se possa ter um convívio direto com a natureza, favorece esse crescimento. O arquiteto paisagista cria ambientes agradáveis, distribuídos organizadamente em diversas atividades de uso público como lazer, estar, esportes, contemplação e recreação. Na elaboração de um projeto paisagístico, as áreas verdes devem participar de modo equilibrado, com a utilização preponderante da flora nativa, incentivando – através de sua especificação e uso – a pesquisa e a valorização de nossa vegetação.
Num país como o Brasil, onde o paisagismo é uma profissão relativamente nova, as oportunidades e os trabalhos vão surgindo naturalmente. Um fator bastante significativo nos favorece imensamente: temos à disposição milhares de espécies vegetais, um universo ainda inexplorado cuja aplicação tornaria as cidades mais agradáveis. Roberto Burle Marx, que foi um dos pioneiros no uso das plantas nativas, serve como exemplo de como esse campo pode ser explorado.

Haruyosho Ono é arquiteto, formado pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade do Brasil, atual UFRJ.Robério Dias, diretor do Sítio Roberto Burle Marx
Entrevista com Robério Dias, diretor do Sítio Roberto Burle Marx (IPHAN - MinC)1. O que, exatamente, é o Sítio Roberto Burle Marx hoje?
É um bem cultural formado, como tantos outros, com elementos naturais. No caso do sítio, esses elementos naturais estão vivos no sentido biológico do termo. Ele é, no meu modesto entender, o principal legado de um dos maiores artistas brasileiros. É o testemunho e a materialização do fazer que Roberto Burle Marx quis transmitir. Roberto sempre repetiu que o sítio era seu lugar de experiências paisagísticas. Além dos acervos museológico, botânico e arquitetônico, os visitantes encontram as experiências paisagísticas de Burle Marx em andamento: as plantas não sabem que Roberto morreu.
2. Qual a importância de se preservar o local como o paisagista o deixou?
Talvez o correto seja dizer “o mais próximo possível de como o paisagista o deixou”, pois exatamente como ele deixou é impossível. Já imaginou um museu cujas peças expostas estivessem todas fadadas a desaparecer? E, enquanto isso, as peças se avolumassem continuamente, a ponto de o espaço entre elas se reduzir até ser impossível alcançá-las física ou visualmente? Imagine um museu em que houvesse inúmeros elementos “penetras”, buscando o tempo todo se imiscuir e confundir entre aqueles que precisam ser mantidos. Esse é o caso do Sítio Roberto Burle Marx. As plantas não param de nascer, de se agigantar, de colonizar territórios, de combater umas às outras, de obstruir as vistas, de reduzir a insolação, de interferir no microclima. Aquela visão harmônica, aquela paz que o visitante experimenta ao percorrê-lo é, na verdade, uma guerra em câmera lenta para quem acompanha o sítio diariamente.
3. Como é feita a manutenção do lugar, quais os principais desafios?
A manutenção implica maximizar nossa escassa mão-de-obra (quinze jardineiros) num terreno de 400 mil m² – um exercício de fazer o máximo com o mínimo – por meio de avaliações frequentes e provisórias sobre o que é mais importante. São decisões quase diárias a respeito do que preservar e do que modificar, do que é possível e do que é necessário. Recentemente, encontrei uma expressão cuja utilidade é tanta que basta enunciá-la para descrever uma de nossas principais tarefas: fazer o back up do acervo botânico. Nosso principal desafio é fazer compreender, em profundidade, que não se podem transpor literalmente os conceitos de preservação do patrimônio arquitetônico e de obras de arte estática para jardins tombados.
4. Como o senhor avalia o legado de Burle Marx hoje?
Como dizia Nelson Rodrigues, “o grande homem precisa de distância para ser visto”. Isso explica a maior repercussão do centenário de Roberto Burle Marx do que aquela que houve por ocasião de sua morte. A distância mencionada é, neste caso, medida no tempo. Só agora o Brasil começa a ter perspectiva para apreciar Roberto Burle Marx. Seu legado não é folclore, não se assemelha às gracinhas de uma criança, valorizadas e impostas aos outros pelos pais. Muito pelo contrário, as obras de Burle Marx foram valorizadas mais pelo mundo do que por “patriotas”. Recebemos, o tempo todo, visitantes brasileiros trazidos por estrangeiros: “Nunca pude imaginar que isso aqui era assim; meu cunhado norueguês recém chegado é que insistiu para vir”.
5. O pensamento de Burle Marx continua atual?
De sua geração, Roberto Burle Marx foi dos poucos artistas que não tentou abolir o passado. Nada mais atual do que isso. Roberto – na pior das hipóteses por imposição de seu metiê, que lida com matéria prima viva e, portanto, o obriga seguir as regras da biologia – não podia se dar a esse luxo, ou melhor, a essa loucura. Ele estabeleceu seus princípios sem desprezar as quatro tradições paisagísticas: muçulmana, oriental, renascentista e inglesa. Em contrapartida, passado algum cobra vingança contra Roberto Burle Marx. Talvez isso possa ser aceito como um início para a explicação da atualidade, ou melhor, da perenidade de seu pensamento.
Robério Dias é paisagista especializado em Engenharia do Meio Ambiente e doutor em Geografia.

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