20.set.2008 Redação Revitalização será entregue hoje
CAROLINE LOPES Pedras de tamanhos irregulares em tons avermelhados compunham o chão. Pessoas a pé, em carroças e charretes transitavam durante todo o dia. O trajeto era percurso quase obrigatório para os comerciantes que livremente vendiam produtos no Mercado Municipal, numa época em que os negócios não eram restritos aos boxes fixos. O cenário chamava a atenção dos artistas. De onde hoje está a Rua Coronel Cardoso de Siqueira, pintores avistavam toda a estreita ladeira, desde a parte mais alta, com início na Rua Senador Dantas. Centenas de quadros foram imortalizados por pincéis tanto de munícipes como de forasteiros. Hoje, às 10 horas, será inaugurada a obra de revitalização do Beco do Sapo, hoje denominado Travessa Coronel João de Souza Machado. Naquele tempo, entre as décadas de 20 e 60, o local, hoje ao lado do Veran Supermercados, entre a Rua Senador Dantas e o Largo Francisco Ribeiro Nogueira (antigo 1º de setembro), apesar dos poucos metros de extensão, era um ponto estratégico para o trânsito. O Beco servia de ligação entre o Centro antigo - que gravitava entre a Rua Dr. Deodato Wertheimer, a Igreja Matriz de Santana (atual Catedral), as centenárias igrejas das Ordens Primeira e Terceira do Carmo - e o antigo Largo 1º de Setembro, onde na época havia uma feira livre. O Beco do Sapo era também caminho para a antiga biquinha do São João, fonte de água natural usada por donas de casas para a lavagem de roupas e atalho para o Mercado Municipal. Depois da década de 70, o piso peculiar foi substituído por paralelepípedos comuns. A Cidade cresceu e o caminho passou a ser cada vez menos usado. Tornou-se um refúgio para bêbados e mendigos, além de depósito de lixo. Houve uma época em que a degradação era tanta que o apelido de Beco do Sapo, devido à grande quantidade do anfíbio presente nas imediações, foi trocado por um outro, bastante pejorativo. O tradicional Beco era então chamado de Beco da M.... À procura da discrição do breu que tomava o local durante as noites, embriagados e moradores de rua usavam o acesso como banheiro a céu aberto. No mês passado, conforme mostrou O Diário, comerciantes vizinhos e usuários ainda reclamavam da sujeira. Não havia fezes, mas o Beco, mesmo já em obras, ainda era utilizado como depósito de lixo. Da janela da sala de jantar da casa de taipa onde passou toda a infância, o advogado Sylvio da Silva Pires podia enxergar todo o movimento no Beco do Sapo. Por este motivo ele está muito entusiasmado com a iniciativa do Veran Supermercados, que hoje inaugura uma obra de revitalização do espaço. (Leia mais em matéria nesta página). "Meu pai comprou aquela casa antes de se casar. Tínhamos uma bela visão pela janela o dia inteiro. Naquele tempo não havia problemas com roubo. As janelas e até a porta da casa, de frente para a Rua Senador Dantas, ficavam sempre abertas". Os sapos, é claro, estavam por toda a parte. "Onde hoje é o Largo Chico Nogueira havia um imenso descampado. O Rio Negro era canalizado, mas ainda estava descoberto. Quando ele enchia, toda aquela região ficava inundada. Aí era sapo para todos os lados", recorda aos risos. Ainda menino, Sylvio Pires testemunhou o trabalho de vários pintores, que encantados com o cenário dispunham telas e pincéis e ficavam a observar o espaço. "Isso na época em que o chão era avermelhado, muito parecido com o que vemos em Parati, no Rio de Janeiro. Depois que trocaram o piso, pouco a pouco, tudo foi se degradando". No início dos anos 50, quando tinha aproximadamente 18 anos, Sylvio Pires encheu-se de orgulho ao visitar uma mostra de artes na Galeria Prestes Maia. "Reconheci a minha casa e o Beco do Sapo em um dos quadros quando estava a caminho do Vale do Anhangabaú". No início dos anos 70, a família Pires se desfez do imóvel. "Quem comprou não demoliu logo. Mas a estrutura da casa foi minando até o telhado desabar, no início dos anos 80. Ficou apenas as laterais", recorda o advogado, hoje com 76 anos. Paulo da Silva Pires, 79 anos, irmão de Sylvio, foi outro a passar a infância no Beco do Sapo. "Nossa casa tinha um portão de madeira que dividia o quintal e o beco. Lembro que meu tio e avô guardavam ali mercadorias que seriam levadas ao Mercado Municipal. Vendedores de pinga tinham de recolher imposto e minha mãe, ali naquela casa, fazia os cálculos, que eram levados a Coletaria do Estado. Tudo era na base da confiança. Não havia fiscalização", recorda. Pires fala da emoção em ver o beco revitalizado. "Fico feliz em ver que o espaço está sendo cuidado. Ele fez parte das nossas vidas. Ainda que descaracterizada, a nossa casa permanece lá. O Beco oficialmente até leva o nome de meu avô, pai da minha mãe. Eu não cheguei a conhecê-lo, mas lembro que ele era tenente-coronel e morreu em Mogi". |
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