FRONTISPÍCIO DAS ARTES

A arte começa onde a imitação acaba. Oscar Wilde

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

ARQUIVO DIGITAL - REVISTA O CRUZEIRO - 21-02-1953




Pintôr Rafael


Pesquisar é descobrir um mundo novo, as vezes desconhecido, foi a conclusão que cheguei  ao encontrar um artista, classificado como primitivo, que deu uma entrevista para a revista “O Cruzeiro,” entrevista que foi publicada em 21 de fevereiro de 1953, Temos poucas informações sobre ele, uma delas é o nome do artista: Pintôr Rafael, esse era seu nome artístico.
 Por ser muito difícil conseguir essa matéria eu vou colocar na integra logo a seguir:
O título da matéria é “O mundo mágico de Rafael” e como destaque falava que ele expõe no Museu de Arte Moderna de São Paulo (com grade sucesso) as figuras da mitologia ioruba. O maior pintor primitivo em terras do Brasil. Pinta somente aos sábados e domingos e, às vezes, à noite. Tendo como base o texto de Odorico Tavares e fotos de José Medeiros.
Há dois anos passados, revelamos em reportagem nesta revista um novo pintor primitivo brasileiro: Rafael, pai de santo na Bahia, carpinteiro, marinheiro, agente da polícia, senhor absoluto de seu terreiro, no Alto do Pinô, nas proximidades da praia de Ondina, na capital Bahiana. Sem jamais se preocupar de ser realmente um pintor, ia realizando os seus quadros, todos eles mostrando figuras da mitologia ioruba, divindades do flos cantorum africano. Eram todos eles para decorar seu terreiro. Oxosse na caça, Iemanjá dominando suas águas, Exu nas suas diabruras pelas encruzilhadas, ou o candomblé em função, eram as telas que Rafael trabalhava para enfeitar a sua casa.
O repórter, em sua primeira visita, ficou deslumbrado: estava em frente de um pintor autêntico, um pintor sem erudição é certo, mas cheio de uma graça, uma frescura, uma originalidade não somente na poesia que dele emanava, mas sobre tudo no seu sentido forte de composição, nas suas cores, nos valores plásticos que criou inconscientemente representavam.
Não iria decepcionar Rafael. A repercussão que suas telas viriam a ter não alterava o homem simples e bem educado que é. Continuou suas funções: não deixou seu lugar na polícia, não deixou de bater seu candomblé, o seu “Terreiro” continua aberto, não pôs de lado seus instrumentos de carpintaria. E continuou pintando: aos sábados, aos domingos e quando o cansaço da jornada permite, também à noite. Uma exposição que fez na galeria Oxumaré, foi um sucesso: vendeu todos os quadros, não somente para colecionadores locais, mas sobretudo para turistas ou  viajantes. Turistas ou viajantes estrangeiros, encantados com a beleza e o exotismo de sua pintura.Dois anos que se passaram, pois, deram a Rafael um lugar privilegiado na pintura brasileira. Hoje, ele é incontestavelmente o maior pintor primitivo que possuímos, pois sua pintura sempre se renova, sempre se enriquece, graças a disciplina, e ao talento que possui. Seus últimos quadros e em número superior a cinquenta,foram exposto no Museu de Arte Moderna de São Paulo e os sulistas tiveram oportunidade de conhecer melhor sua obra.Viram que não é só apenas o primitivismo, que existe em suas telas, o que interessa: a coisa pitoresca, a pintura de um pai de santo da Bahia, coisa acidental ou transitória, existe uma força, um sopro forte de poesia, que emana sobretudo  do domínio de sua arte. Existe no seu colorido, como de poucos pintores nacionais, eruditos ou não. As suas florestas não são apenas verdes, ou tons variados de verdes. O mundo vegetal que ele sente e que nos transmite é uma festa de cores, e cores soberbamente trabalhadas! A sua floresta é um mundo que recebeu a visita transmutadora do arcoiris. As suas estradas, suas arvores, seus animais, seus rios são composições de uma largueza, de uma segurança, de um grande domínio, que nenhum outro  pintor primitivo brasileiro conheceu. O mundo mágico que vive com o Pintôr Rafael, o mundo mágico de seus Santos Africanos, o mundo de seu terreiro, este mesmo mundo está todo na obra plástica do pintor, como uma as obras mais belas e mais autenticas, que a pintura brasileira já conheceu.
Há quem muito desdenhe ao nos ver falando assim. Há os que somente admite a pintura aprendida nos “ateliers,”  com os mestres, com as influências, pois pintura não é coisa que se improvise e que nasça do céu, como um passe de mágica. Há os que sabem os poucos minutos que duram os pintores primitivos, nascendo e desaparecendo de um dia para outro. Os pintores engraçados apenas, de quem se compra uma ou outra tela, por snobismo, mas que nunca se colocaria numa sala elegante. Estamos certos que a pintura de Rafael sobreviverá a esses dias de primeira impressão do gracioso e do diferente. Analisando seus quadros de dois anos passados e os de hoje: há uma ascensão e uma ascensão dentro do critério de pintura o mais rígido. O pintor se enriquece  extraordinariamente, sem que deixe de ser, nem por um minuto, o Pintôr Rafael, que o Museu de Arte Moderna de São Paulo expôs ainda no mês passado. Elas exprimem o que a terra nacional tem de mais puro e autêntico. Nos pincéis do prêto Rafael, que se comunica com os seus deuses, os deuses africanos de seus antepassados, através de seu “Terreiro” e de sua arte, há o frescor da terra, a graça do povo negro da Bahia, a beleza da gente, das arvores e dos bichos, vistos através  de um autêntico e puro artista que saiu deste povo para expressar este mesmo povo de uma maneira ingênua sempre, mas poderosamente autêntica, embora um tanto fantástica. O que é mais uma maneira de afirmar como autêntico e como pintor.
Ao ver as obras de Rafael, salta os olhos de qualquer pessoa, e sem dúvida é um pintor Naïf, as fotos são coloridas, as matas, o gramado, as águas, as ricas vestimentas dos personagens, que são pequenas figuras, em meio a grandes espaços, onde se desenrola os acontecimentos. Eu em particular não conhecia o artista até esse momento.