Arquivo pessoal: Enzo Ferrara
Texto: Enzo Ferrara
Heraldo Moraes (1946 a 2005)
A
Biografia de Heraldo Moraes foi uma das mais difíceis do projeto do livro, ao
decorrer da pesquisa me deparei com a possibilidade de não considerar a obra do
artista como algo dentro das características d pintura Naïf local, mas ao ver
os passos que ele deu ao longo de sua carreira, seus valores culturais e sua
personalidade, as vezes polêmica, considerei a obra dele como um dos vários
casos de artista Naïf com uma base de ensino de técnica de pintura, pertencendo
ao estilo de pintura Naïf de personagens sem o rosto.
Heraldo
Moraes Nasceu num sítio nos arredores de Salesópolis, interior de São Paulo, no
dia 30 de maio de 1946. Heraldo Moraes era filho de João Moraes e Anésia
Sivalli Moraes, que tiveram onze filhos, Heraldo era descendente de Italianos
da região de Cremona, por parte de mão, algo lembrado pelo artista, que
mantinha emoldurada na parede de seu ateliê o documento de liberação para
imigração para a América do Sul, emitido pelo governo italiano, para que seus
avós pudessem vir ao Brasil em definitivo.
Quando
criança, o artista já demonstrava criatividade inventiva nos brinquedos e nas
brincadeiras com os irmãos, estudou até o quarto ano, pois a região onde a
família morava o corso nas escolas ia até o quarto ano e para continuar as
crianças deveriam se matricular na cidade vizinha, Mogi das Cruzes, onde tinha
um numero maior de colégios.
O
jovem artista se mudou para a cidade vizinha de Mogi das Cruzes em 1965 e em definitivo
em 1968, continuou a estudar e trabalhar como operário nas fábricas Elgin e
Valmet. Foi na cidade de Mogi das Cruzes que ele começou a estudar desenho e
pintura no ateliê da artista Olga Nóbrega durante o ano de 1973. Em 1974, muda
para São Paulo para estudar no curso de Belas Artes numa escola no bairro do
Brooclim, alugou um pequeno apartamento e chamou o irmão para morar junto e
trabalhar em São Paulo, ficaram morando juntos até o irmão voltar para a cidade
de Mogi das Cruzes para se casar e Heraldo ficou morando por mais um ano em São
Paulo.
No
inicio dos anos de 1980, o artista volta para Mogi das Cruzes e começa a se
envolver com artistas do município de forma mais íntima, participa como jurado
em eventos ligados ao carnaval e confecciona fantasias de luxo, participando
também de concurso de fantasias. No dia 19 de fevereiro de 1985, uma terça
feira, o jornal O Diário de Mogi, apresenta no caderno de coluna social, o
ganhador do 1° lugar de fantasia masculina, mostrando Heraldo Moraes fantasiado
de faraó.
O
Ano de 1986 marcaria a historia do artista, pois ele conseguiu ser contratado
para o cargo de Atendente Social no Hospital das Clínicas da Cidade de Suzano,
cidade vizinha de Mogi das Cruzes, ele continuou a pintar e a participar de
eventos culturais como jurado, agora com mais tranqüilidade. Com uma segurança
mais garantida no trabalho ele consegue comprar uma casa no travessa Ipiranga ,
perto da movimentada Avenida Ipiranga, onde constrói seu ateliê em formato de
chalé. Heraldo era uma pessoa de personalidade tranqüila e reservado, vivia em
harmonia com seus vizinho, com os amigos era alegre e sempre bem humorado,
quando outros artistas pintavam ao vivo nas praças do Centro Histórico ele se
fantasiava de palhaço para atrair público e brincar com as crianças. Heraldo
era amigo do Padre Vicente, que quando foi para a Itália levou alguns quadros
do artista que foram todos vendidos.
Na
casa da travessa Ipiranga, conhecida também como casa 7, ele logo começa a
fazer pequenos comércios e abre um espaço para trabalhar de cortando cabelos,
no inicio de amigos, pois não tinha muita experiência.
No
inicio da década de 1980, foi aberto um bar alternativo, voltado para o publico
LGBT, localizado nos arredores da igreja São Benedito, Centro Histórico de Mogi
das Cruzes, logo começou a fazer amizades com os clientes do bar, que
freqüentavam seu ateliê e cortavam cabelo com Heraldo Moraes, logo o ateliê
passou a ser ponto de encontro da classe artística, de membros do universo LGBT
e de carnavalescos.
A
produção artística dele é um caso a parte, sempre apresentou um ótimo
desenvolvimento da arquitetura em suas paisagens urbanas, isso acontece pela
base de educação com as tintas de professores como a artista Olga Nóbrega, de
quem herdou muitos traços e principalmente o colorido, mas seus personagens
fazem parte da característica do QUEM VÊ CARA, NÃO VÊ CORAÇÃO, que tem como
característica de apenas colocar a cabeça, mas não o rosto com olhos, nariz e
boca, muito comum na produção de arte Naïf brasileira. Durante a década de
1990, a produção do artista fica ainda mais Naïf, ele retrata pontos turísticos
da cidade de Mogi das Cruzes. As várias igrejas do Centro Histórico e
arredores, com a atmosfera popular da cidade, onde acontecem as procissões da
Festa do Divino Espírito Santo, vendedores de pipoca e balões coloridos se
misturam com as pessoas nas praças e até algum grupo de congada passando,
batendo tambor na produção do artista. Heraldo gostava muito da cultura das
antigas civilizações, chegou a visitar as pirâmides maias no México e tinha o
sonho de conhecer o Egito.
Em
2001, acontece a I Bienal do Alto Tietê, e Heraldo participa com a obra
intitulada Largo da Catedral em 1978,
que retrata a Praça da Igreja Matriz de Mogi das Cruzes trinta anos antes. A
catedral não é retratada na obra, mas as casas do entorno, podemos ver também
as pessoas ocupando o espaço público, crianças dando pipocas aos pombos e três
carrinhos de vendedores ambulantes, um de pipoca, outro de sorvete e o terceiro
de Hot Dog, um vendedor de balões e bonecos, mostrando uma cidade de uma outra
época, com características de interior e mais provinciana, ela é um marco da
pintura Naïf de Heraldo, que foi exposta ao lado da produção de outros artistas
Naïfs como Darcy Cruz, Wilma Ramos, Cida
Ruíz e Nerival Rodrigues, por
tanto sendo considerada pelos curadores da Bienal como arte Naïf regional. Nos
três anos seguintes sua produção assume um perfil de Naïf surreal, fantástico e
ainda mais colorido.
A
Morte de Heraldo Moraes é cercada de muito mistério, na noite 24 de abril de
2005, madrugada de domingo para segunda feira, ele foi se divertir na casa
noturna UP CLUB, voltada para o público LGBT da região, que na época abria aos
domingos como domingueira, se divertiu por algum tempo e foi embora cedo, mas
Heraldo Moraes era uma figura bem conhecida, e muitos sabiam onde ele morava,
ao retornar para seu ateliê, onde também morava, foi brutalmente assassinado.
Na manhã seguinte, seu sobrinho foi visitá-lo, encontrou o corpo de Heraldo, no
chão da cozinha. O artista morreu aos 58 anos, com uma facada no peito,
amordaçado e com vários golpes na cabeça. Na época a policia trabalhou com a
hipótese de homicídio simples, descartando a possibilidade de assalto, pois as
portas e janelas do ateliê não tinham sido arrombadas, provavelmente Heraldo
conhecia seu assassino e o deixou entrar.
A
noticia pegou os amigos e artistas da cidade de surpresa, pois Heraldo não
tinha inimigos e era uma pessoa calma, de vida tranqüila. Na época foram feitas
investigações que não deram resultado. Seu assassino nunca foi descobertos, o
caso logo foi arquivado pela policia. Sua biografia e produção ficaram
esquecidas pelo poder público e por agentes culturais até o momento da pesquisa
do projeto do livro Olhos Naïfs, que resgatou a memória cultural e imagens de
algumas obras.