Imagem: Casa do Povoador de Piracicaba/SP
Autora: Carmela Pereira
Foto e Texto: Enzo Ferrara
Artista
autodidata, Naïf da Pintura e da Cerâmica Figurativa, Artesã e Escritora. Eu
conheci a artista na 11ª Bienal de Naïfs do Brasil em Piracicaba, onde a
artista vive, desde então visitei o ateliê dela, na cidade e mantivemos
contato. Dona Carmela nasceu em Piracicaba, numa casinha de sapé, era de uma
família de lavradores, na primeira infância viveu na presença dos pais e dos
avós, que é tema de muitas obras da artista. Ainda na Infância perde os pais e
foi matriculada numa Escola de Freiras, chamado de Asilo de Órfãs Coração de
Maria, foi lá que com nove anos ela ganhou seu primeiro premio com um desenho,
que foi um saquinho de balas. Hoje o mesmo se chama Lar Escola Coração de Maria
Nossa Mãe, localizado na rua da Boa Morte, 1955, Centro de Piracicaba. A
artista não guarda mágoa das irmãs e diz que tudo o que ela é hoje deve ao
antigo colégio.
A
Artista lembra que quando era criança queria sair na procissão vestida de anjo,
mas as irmãs não deixavam, ela questionava o por que? E as irmãs diziam, que no
céu não tinha anjo negro, essa história iria influenciar anos mais tarde a
artista, que pintaria a obra “Anjos negros no Altar de Nossa Senhora”, que está
no acervo da artista.
Durante
36 anos a artista trabalhou como empregada doméstica, depois que se aposentou
começou a trabalhar com mais regularidade na profissão de Artista na Pintura
Naïf, na Cerâmica figurativa, produção da artista que é pouco conhecida, e de
escritora. Não é por acaso que eu escolhi Dona Carmela para ser incluída ao
projeto do Livro, pois ela participou de todas as Bienais de Naïfs promovidas
pelo Sesc Piracicaba. Apesar da cidade de Piracicaba ser a capital da Bienal de
artes Naïfs de dois em dois anos, a cidade não tem muitos artistas que produzem
na estética Naïf, sendo assim, Dona Carmela Pereira é a maior referência que a
cidade tem, quando se fala de arte Naïf. Ela retrata em suas obras o Rio
Piracicaba, a casa do Povoador, a rua do Porto, nas Margens do Piracicaba com
barquinhos de pescadores, a casa de máquinas, o Engenho Central, as plantações
de Cana de Açúcar com seus trabalhadores, mas a produção da artista não fica só
nisso, ela traduz na tela a alegria das festas afrobrasileiras, as procissões
religiosas, o folclore nacional e regional. Seus personagens conseguem
transparecer até mesmo estado de espírito, como espanto, tristeza, alegria,
desejo, exaltação e dor. Algumas de suas obras têm um poder imaginativo enorme,
onde ela relata o preconceito que sofre por ser negra.
Ela
me relatou que certa vez, quando deixou a suas obras para ser vendidas numa
galeria em Piracicaba, a vendedora estava vendendo como se ela fosse uma
artista Italiana, ao visitar a loja, ela disse que Carmela Pereira, não era
italiana, era negra e vivia em Piracicaba, depois desse episodio a artista teve
que retirar as obras da galeria. É Revoltante, mas muitos artistas naïfs pelo
Brasil podem se reconhecer nessa história, ou passaram por algo semelhante.
Hoje
posso dizer que apenas o fato de incluir e dar voz a essa grande artista naïf,
torna o livro ainda mais importante, pois ela passa suas experiências
profissionais e de vida, pois quando se fala de preconceito racial, parece que
é algo de cem anos atrás, que isso não existe no século XXI, mas os relatos de
muitos artistas provam o contrário.